Considerações gerais
As relações econômicas internacionais, até os
meados do século XIX, funcionavam baseadas nas legislações nacionais de cada
Estado. Não havia um sistema internacional que regulasse as relações econômicas
entre os Estados, que até então era executada através, principalmente, de
acordos bilaterais, dependendo da cooperação dos países mais fortes política e
economicamente. Este período foi conhecido como o Liberalismo.
As duas grandes guerras mundiais acabaram por
estremecer este sistema liberal. Mais especificamente após a Segunda Guerra
Mundial, que deixou como seqüela a destruição de grande parte do continente
europeu, e com o avanço do socialismo, buscou-se conceber uma ordem internacional
calcada no Direito ao invés daquela baseada no equacionamento das relações de
poder.
Desta forma, concebeu-se uma ordem econômica
internacional fundada em normas jurídicas, visando, principalmente, uma maior
segurança nas relações econômicas internacionais.
Ressalta-se que no plano político, esperava-se
frear o avanço do socialismo no continente europeu. Por outro lado, entendia-se
também que as normas econômicas internacionais poderiam evitar novos conflitos
internacionais, haja vista que as duas primeiras guerras mundiais foram
causadas, essencialmente, por disputas econômicas.
Foi neste contexto que em 1944, ainda durante a
Segunda Guerra Mundial, realizou-se uma Conferência em Bretton Woods, New
Hampshire, nos Estados Unidos, a fim de definir uma Nova Ordem Econômica
Mundial. Fizeram parte da conferência 730 delegados de 44 países do mundo,
incluindo o Brasil.
Ao final da Conferência, concebeu-se um sistema
econômico internacional alicerçado num tripé: o Fundo Monetário Internacional
(FMI), o Banco Mundial (BIRD) e a Organização Internacional do Comércio (OIC).
O FMI teria como finalidade manter a estabilidade
das taxas de câmbio e auxiliar, por empréstimos financeiros especiais, os
países com dificuldades em seu balanço de pagamentos. O BIRD por sua vez se
ocuparia em garantir recursos para a reconstrução dos países atingidos pela
guerra além de promover e apoiar projetos de desenvolvimento dos países. A OIC
deveria estabelecer e regular um novo sistema para o comércio internacional,
calcado no livre comércio e no multilateralismo.
Tanto o FMI como o BIRD, em 1945, foram criados e
iniciaram suas atividades logo após o término da Segunda Guerra. Contudo, a
mesma sorte não teve a OIC. Em 1948, em uma conferência mundial realizada em
Havana, 53 países firmaram a Carta de Havana, acordo que criava a OIC. Porém o
congresso norte-americano não ratificou a Carta de Havana, desestimulando os
demais países, impedindo, conseqüentemente, a criação da OIC.
Em contrapartida, em 1947, o Acordo Geral sobre Tarifas
e Comércio (GATT), foi firmado em Genebra. O GATT, não era uma organização
internacional mas sim um tratado provisório, que vigeria até o estabelecimento
da OIC. Como esta organização acabou por não ser implantada, o GATT passou a
regular as relações comerciais internacionais, sem contudo, ter caráter
institucional como o FMI e o BIRD.
Ao contrário do que se possa imaginar a
liberalização e a regulamentação da economia mundial através das instituições
internacionais, não são fatores antagônicos, mas sim complementares. Isto
porque, a regulamentação não permite que os Estados atuem de maneira
unilateral, conseqüentemente há a liberalização do comércio através de uma
maior segurança jurídica.
Definição e objetivo
A definição do Direito Internacional Econômico
ainda não esta pacífica entre os juristas. Tampouco está a sua delimitação e
quais as relações por ele abrangidas.
Porém, como definição, se adotará aqui aquela que
define o DIE como o conjunto de normas e princípios que regulam as relações
econômicas internacionais, abarcando, portanto, a circulação de bens, serviços
e capitais, os investimentos, as questões monetárias, a integração regional e o
direito de desenvolvimento.
Importante frisar que estas relações devem ser transfronteiriças, ou seja, deve-se estabelecer através das fronteiras de dois ou mais Estados. Por outro lado, excluem-se as relações meramente privadas.
No entanto é necessário destacar que há divergência
entre os juristas se o DIE é um ramo autônomo do direito ou se é subdivisão do
Direito Internacional Público.
Entre os defensores do DIE como um ramo autônomo do direito temos John H. Jackson, Dominique Carreau e Patrick Juillard. Segundo JACKSON (1998, p.1-9), o Direito Internacional Econômico possui “certas características ou pelo menos nuances” distintas do Direito Internacional Público. CARREAU et alii (1990, p. 13) por sua vez afirma que as diferenças se encontram na finalidade e nas fontes, sendo que enquanto a finalidade do DIE é as relações econômicas o objetivo do DIP é a proteção da paz; por sua vez em relação as fontes o DIP privilegia os tratados e os costumes enquanto o DIE os atos unilaterais dos Estados e das organizações internacionais.
Contudo, será adotada aqui a corrente que afirma que “no plano científico, o direito internacional econômico não constitui senão um capítulo entre outros do direito internacional geral” (PROSPER WEIL, p. 34). Neste sentido, SEIDL-HOHENVELDERN (1999, p. 1), entende que o DIE consiste “naquelas regras de Direito Internacional Público que respeitam diretamente às trocas econômicas entre os sujeitos de direito internacional”.
Como você viu anteriormente o DIE visa regulamentar as relações econômicas internacionais, permitindo a liberalização das trocas internacionais, financiamentos e investimentos, através da previsibilidade e da segurança jurídica.
Características do DIE
Como características do DIE pode-se citar ser este
ramo do DIP um direito quadro (droit cadre), a votação por peso (weighted
vote), a dualidade de normas e a cláusula de salvaguardas (safeguard clause)
(JO, 2000, p. 439).
• Direito quadro – haja vista as relações
econômicas serem demasiadamente complexas e estão em constante mudança,
dificilmente estará regulada em detalhes;
• Votação por peso – nas relações econômicas o
princípio básico da igualdade entre os Estados do DIP, não funciona, pois as
maiorias das OI econômicas optam pela votação com peso. Como você verá nas
próximas unidades o FMI e o Banco Mundial são OI que possuem o sistema de votação
por peso, conforme a “quota” do país. Contudo a OMC, quando a questões que são
decididas por voto, o sistema adotado é o de igualdade, ou seja, cada país tem
direito a um voto.
• Dualidade das normas – as normas do DIE têm
características de normas de dualidade, isto é, aplica-se de forma distinta aos
países industrializados e aos países em desenvolvimento, considerando-se
portanto as distintas situações econômicas;
• Cláusula de salvaguarda – a viabilidade da
aplicação das normas econômicas é condicionada pela situação constantemente
alterada dos países, havendo por conseguinte a necessidade de conceder
exceções, pelas quais os países se isentam de certas obrigações dispostas nos
tratados ou nas resoluções das OI. Assim os tratados podem manter-se e os
países isentarem-se temporariamente das condições impostas.
Referências
BROWNLIE, Ian. Princípios de Direito Internacional
Público. Lisboa : FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN, 1997.
CARREAU, Dominique, FLORY, Thiébaut, Patrick
JUILLARD, Droit international économique, 3ª ed., Paris:L.G.D.C., 1990
JACKSON, John H. “Global Economics and International Economic Law”,
Journal of International Economic Law, vol. 1, nº 1, 1998.
JO, Hee Moon. Introdução ao Direito Internacional.
São Paulo : LTr, 2000.
HUSEK, Carlos Roberto. Curso de Direito
Internacional Público. 2ª ed. São Paulo: LTr, 1998.
LUPI, André Lipp Pinto Basto. Soberania, OMC e
Mercosul. São Paulo : Aduaneiras, 2001.
MELLO, Celso D. Albuquerque de. Curso de Direito
Internacional Público. 1º Vol. 11ª ed. Rio de Janeiro : Renovar, 1997.
MELLO, Celso D. Albuquerque de. Curso de Direito
Internacional Público. 2º Vol. 12ª ed. Rio de Janeiro : Renovar, 2000.
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito
Civil, V. 1 : parte geral. 39 ed. rev. e atual. por Ana Cristina de Barros
Monteiro França Pinto. São Paulo : Saraiva, 2003.
PROSPER WEIL, “Le droit international économique:
Mythe ou réalité?”, Aspects du droit international économique, Paris : Pédone,
1972.
REZEK, José Francisco. Direito Internacional
Público : curso elementar. 3. ed. rev. e atual. São Paulo : Saraiva, 1993.
SEIDL-HOHENVELDERN, Ignaz . International Economic Law, 3ª ed., Haia:Kluwer Law International, 1999.
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